segunda-feira, novembro 28, 2005

Seção Memória - Conta Tucano

OS MAPAS DA LAVAGEM DO BANESTADO
O caminho dos US$ 30 bilhões que saíram do País, as remessas
de US$ 176 milhões para a Conta Tucano e o esquema Maluf e
as transferências para a Suíça

Revista IstoÉ
Leonardo Attuch e Hugo Studart
Quarta-feira, 25 de Junho de 2003
O número da conta é 310035. Está registrada no banco americano JP Morgan Chase, agência de Nova York. Ganhou, nos arquivos do banco, o nome sugestivo de “Conta Tucano”. Por lá, transitaram rios de dinheiro. Mais precisamente, US$ 176,8 milhões, entre 1996 e 2000. O rastreamento dos recursos foi feito em conjunto pelo Polícia Federal e pelos procuradores de Justiça do Estado de Nova York. No organograma traçado pelo delegado federal responsável pelo caso, José Castilho Neto, obtido com exclusividade pela ISTOÉ DINHEIRO, há um mapa da suposta lavagem de dinheiro no Brasil. O documento, que servirá de base para as investigações da Comissão Mista Parlamentar de Inquérito do Banestado, instalada na quarta-feira 18 no Congresso, pode manchar a imagem de líderes políticos e de grandes empresários brasileiros. Isso porque, a partir da Conta Tucano, os US$ 176,8 milhões fluíram para uma série de empresas em paraísos fiscais. Os policiais suspeitam que esse dinheiro tenha parado em bolsos de tucanos de carne e osso – e dos mais poderosos. Um indício de que essa conta também tenha sido usada na última campanha presidencial do PSDB foi a transferência de US$ 18,2 mil para a jornalista Valéria Monteiro, que apresentou os programas eleitorais do partido. As investigações apontam ainda para o nome do sempre citado Ricardo Sérgio de Oliveira, tesoureiro das campanhas presidenciais do PSDB, e ex-diretor da área internacional do Banco do Brasil. Aquele que, flagrado num grampo telefônico, dizia agir “no limite da irresponsabilidade”. Ao rastrear o dinheiro, os delegados brasileiros e os promotores de Nova York conseguiram identificar 35 mil nomes de pessoas que teriam enviado recursos para fora do País pelo Banestado ou, em outra hipótese, recebido dinheiro no exterior por meio das contas usadas no esquema.
O mapa da lavagem aponta, de forma esquemática, como o dinheiro saiu do Brasil pelo Banestado, o banco estadual do Paraná, que foi adquirido pelo Itaú em 2000, num esquema que começou a ser desvendado pela revista Istoé, em fevereiro deste ano. A planilha montada pelos policiais começa pelo que os investigadores americanos chamam de smurfs accounts (contas de anões) os "smurfs", aqueles anões azuis dos desenhos animados, são, nos Estados Unidos, o que se conhece no Brasil como "laranjas". Com CPFs falsos, os tais smurfs abriam contas na agência do Banestado em Foz do Iguaçu, na fronteira com o Paraguai e a Argentina. Em seguida, pediam autorizações para movimentar contas CC-5, aquelas que permitem remessas para o exterior sem que seja declarada a finalidade. Os dólares então seguiam para vários correntistas da agência do Banestado em Nova York, e de lá para a Conta Tucano no JP Morgan Chase. Depois disso, o rastreamento feito pelos investigadores identificou remessas dessa Conta Tucano, também no valor de US$ 176,8 milhões, para 70 empresas em paraísos fiscais, com o dinheiro transitando pelos Estados Unidos, pela Suíça, pela Alemanha e por Nassau, uma ilha no Caribe. A planilha aponta ainda os números das contas e os valores das remessas. No esquema de lavagem, uma empresa sintomaticamente batizada como Branco – numa alusão ao sabão em pó Omo, que lava mais branco – recebeu US$ 536 mil na sua conta 201508 do banco UBS. A Jazz levou US$ 5,1 milhões pela conta 30171954 do MTB Bank de Nova York. E uma outra conta, também chamada tucano, teve depósitos de US$ 2,7 milhões na Suíça, por meio do Discount Bank and Trust Company, adquirido pelo UBS. O Discount era o preferido dos brasileiros, mas o novo dono, o UBS, tem colaborado com as investigações (leia a tabela com empresas que receberam dinheiro da Conta Tucano na página 29). Tais transferências fazem parte daquilo que os investigadores chamam de “primeira onda”. Isso porque, depois das empresas alimentadas primariamente pela Conta Tucano, muitos outros correntistas teriam recebido depósitos em etapas posteriores.
A Conta Tucano, porém, é apenas um dos afluentes dos caudalosos rios de dinheiro que circularam pelo Banestado nos últimos anos. Por lá jorraram, de acordo com as estimativas da Polícia Federal, US$ 30 bilhões. E foi também pelo Banestado que, segundo suspeita a Polícia, teriam passado os dólares que o ex-prefeito de São Paulo, Paulo Maluf, teria remetido ao exterior. No organograma Maluf, o dinheiro saiu da Prefeitura de São Paulo para a Construtora Mendes Júnior, em pagamento de parte das obras da Avenida Águas Espraiadas, na capital paulista. Em seguida, teria sido enviado para as subempreiteiras Planicampo, Fomento e Emplo. De lá, teria fluído para os laranjas da agência do Banestado em Foz e depois para a filial nova-iorquina do banco paranaense. No fim, os dólares acabariam pousando nas contas 030171687 da empresa Campari no MTB Bank, na 36968136 da Lespan no Citibank, na 06100546 da Chanani no National Bank, em Nova York, e na conta registrada em nome de uma certa Maria Rodrigues, na Suíça. Os investigadores suspeitam que, da Suíça, os recursos tenham seguido para o paraíso fiscal das Ilhas Jersey.

Paraíso dos doleiros. Todos esses esquemas passavam pelo Banestado e outros pequenos bancos de Foz, como o Araucária, que já teve como acionista Paulo Konder Bornhausen, irmão de Jorge Bornhausen, presidente do PFL. Nas contas CC-5 tradicionais, que podem ser legalmente movimentadas em qualquer grande banco na Avenida Paulista ou em Ipanema, os rastros são mais evidentes. O Banco Central exige identificação de quem remete o dinheiro e, nas operações legais, a origem dos recursos tem de ser comprovada à Receita Federal. Nos grandes centros, é muito pouco comum fechar negócios com dólares em espécie. Em Foz do Iguaçu, ao contrário, muitas operações são feitas em cash, com recursos provenientes do caixa dois dos financiadores de campanhas políticas ou do crime organizado. Uma mala repleta de dólares não causa surpresa por lá. É esse dinheiro, muitas vezes sem origem legal, que faz girar a economia local e a roleta dos cassinos da região. A cidade paranaense, além das cataratas, é conhecida por ser o ninho dos doleiros no Brasil. E, na caça aos US$ 30 bilhões, já foram também rastreados, além dos 35 mil nomes, 1,5 milhão de transações financeiras suspeitas.


Todos esses mapas da lavagem de dinheiro foram resultado do trabalho do delegado Castilho e do perito criminal Renato Barbosa, que vasculharam os arquivos do Banestado no Brasil e em Nova York. “Vamos mudar este País”, disse Barbosa à DINHEIRO. Ambos foram auxiliados por um fato prosaico. Foz do Iguaçu é também a região onde vive uma das maiores colônias árabes do País, de maioria muçulmana. Foi por isso que os promotores de Nova York decidiram colaborar com as investigações, com uma boa vontade inusual. Do lado americano, o interesse era rastrear possíveis movimentações financeiras ligadas ao terrorismo internacional. Do lado brasileiro, o alvo são os grandes políticos e empresários.
Todos os relatórios foram entregues ao ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, e a uma força-tarefa da Procuradoria da República, liderada pelo procurador Luiz Francisco de Souza. Ao lado de seu gabinete, as procuradoras Valquíria Quixadá e Raquel Branquinho preparam os inquéritos civis públicos. O papel delas é oferecer denúncia por improbidade administrativa contra todas as autoridades, políticos e governantes, que forem apanhadas pelas investigações. Já foram identificados 270 nomes de servidores públicos que ocuparam posições de destaque durante o governo anterior. Em Curitiba, um outro grupo de oito procuradores, liderado por Vladimir Aras, está encarregado de preparar os inquéritos criminais. Há ainda um procurador em Cuiabá, Pedro Taques, auxiliando nas investigações. Isso porque, nas planilhas, haveria um número significativo de autoridades do Mato Grosso na lista. Por fim, o procurador Celso Antônio Três, que iniciou as investigações sobre as CC-5 e hoje está lotado em Santa Catarina, tem trabalhado como consultor do grupo.

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