O tucanato teve mais um surto de demofobia. Seu líder no Senado, Arthur Virgílio, sugeriu que o aumento do salário mínimo para R$ 350 está entre “meia dúzia de atos demagógicos” destinados a ajudar Lula a transpor o primeiro turno da eleição do ano que vem.
Aumentar o salário mínimo em cerca de 20% não é demagogia. Demagogia é votar um aumento para R$ 384, como fez em agosto um pedaço da bancada liderada por Virgílio. É demagogia no sentido mais puro da palavra, porque os trinta senadores que votaram a medida sabiam que ela seria derrubada na Câmara ou vetada por Lula.
Beneficiada pelo irracionalismo da retórica do “Nosso Guia”, a oposição quer encurralar o país. Procede como se precisasse de juros altos e estagnação econômica.
Se Lula segura os gastos, o tucanato acusa o governo de frear o crescimento. Se a ministra Dilma Rousseff diz que a idéia de um vago ajuste fiscal de longo prazo é “rudimentar”, o campo banqueiro do PSDB a ataca como se ela planejasse o fim do mundo. Se Lula derruba o salário mínimo de R$ 384, a oposição o acusa de não cumprir o prometido (“Nosso Guia” prometeu dobrá-lo). Se o companheiro vai na direção dos R$ 350, é um irresponsável que torrará R$ 4,6 bilhões.
Admitindo-se que alivie o confisco do Imposto de Renda sobre os salários do andar de baixo elevando em 10% o teto da isenção dos trabalhadores, gastam-se mais R$ 1,3 bilhão. Juntando-se as duas despesas, chega-se a cerca de R$ 6 bilhões. É muito dinheiro, mas nunca é demais lembrar que os encargos da dívida interna e externa custam ao país cerca de R$ 120 bilhões anuais.
Ao contrário do que acontece com o rentismo dos juros, cada centavo gasto com o salário mínimo retorna ao mercado da produção nacional. Esse dinheiro compra comida e vestuário. O que sobra serve para a construção de um puxado ou de uma laje. Estima-se que um aumento de 10% no salário mínimo reduz a pobreza nacional em 4%. Quando a Viúva esvazia a bolsa pagando os juros dos doutores Henrique Meirelles e Afonso Bevilacqua, esse fato é apresentado como uma fatalidade histórica. Quando se fala em melhorar a vida do trabalhador, é demagogia.
O PSDB tem dois candidatos a presidente da República (José Serra e Geraldo Alckmin) que ainda não conseguiram cumprir a promessa de campanha de integrar os bilhetes de ônibus, trens e metrô de São Paulo. Tudo indica que, se o fizerem, cobrarão uma tarifa burra mais elevada que o carnê dos trabalhadores de Nova York. No Rio de Janeiro, onde está o terceiro candidato oposicionista, a situação dos transportes públicos é ainda pior.
A oposição que acusa Lula de demagogia teme que iniciativas sociais e a melhoria da renda do andar de baixo permitam a reeleição do companheiro. Vai embutida nesse raciocínio a idéia de que a patuléia é composta por uma massa incapaz de discernir o alcance de seu voto. Se ele for reeleito, reeleito estará.
As teorias conspirativas do PT são pouco mais que fantasias. Mesmo assim, é verdade que a política brasileira convive com uma militância demófoba. Quando lhe convém, ela investe contra as conseqüências da elevação do salário mínimo, erguendo a bandeira da moralidade, contra “o clima de negociatas, desfalques e malversação de verbas que vem, nos últimos tempos, envolvendo o país”. Essas palavras, que poderiam ter saído de um discurso de “Nosso Guia” na sua encarnação oposicionista, foram tiradas de um documento bem mais antigo: o “Manifesto dos Coronéis”, de fevereiro de 1954. Seis meses depois, Getúlio Vargas se matou.
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