Para Pedro Estevam Serrano, professor de Direito Constitucional da PUC-SP, a CPI dos Bingos deveria ser suspensa, pois desrespeita direitos básicos, afronta a democracia e o Estado de Direito. “Ela investiga tudo menos a finalidade pela qual foi criada. É uma ofensa e um atraso para a democracia”, denuncia. Para Pedro Serrano, parlamentares que conduzem trabalhos da CPI estão ignorando a Constituição e a legislação penal brasileira.
A CPI dos Bingos, também conhecida como CPI do Fim do Mundo, nos moldes em que está sendo conduzida, representa uma ofensa e um atraso para a democracia e deveria ser suspensa. A avaliação é de Pedro Estevam Serrano, professor de Direito Constitucional da PUC de São Paulo, que, falando à CARTA MAIOR, criticou o comportamento dos parlamentares que conduzem os trabalhos da CPI.
Segundo Serrano, a CPI tem dois problemas centrais: ela não está investigando o fato determinado que a originou (investigação de jogos de azar e lavagem de dinheiro) e padece de um problema técnico fundamental, a saber, a notícia do dia virou alvo de investigação. “Qualquer investigador sabe que, quando se investigam muitos fatos, não se investiga nenhum. Uma CPI que quer investigar tudo, não investiga nada e acaba virando um circo”, criticou. Para o jurista, autor do livro “O desvio de poder na função legislativa” (Editora FTD), essa CPI está afrontando a Constituição brasileira e o Estado de Direito.
Pedro Serrano criticou também a postura de parlamentares que vêm atacando decisões do Supremo Tribunal Federal (STF) e denunciando uma suposta politização por parte de seus juízes. Segundo o jurista, confundir a atuação do STF com interferência de poderes é uma demonstração de imaturidade, ignorância e autoritarismo. “Não há nenhuma interferência de poder. O Legislativo é um Poder constituído e não um Poder constituinte, devendo estar submetido à Constituição e ao controle de constitucionalidade, que é exercido pelo Supremo Tribunal Federal”.
E acrescentou: “Na realidade, esse tipo de manifestação por parte de parlamentares manifesta a imaturidade que existe no Brasil quanto ao significado do Estado de Direito. Há uma grande dificuldade de conviver com a natureza do Estado de Direito, que é o governo das leis e não o governo dos homens”. Neste sentido, ele classifica como um abuso a postura de legisladores que vêm ameaçando o Judiciário.
DEMOCRACIA NÃO É O IMPÉRIO DO LEGISLATIVO
A crítica do professor da PUC-SP é dura e direta. Para ele, o papel que o Judiciário vem desempenhando, em especial o STF, é exatamente o que deve desempenhar: impedir a violação de direitos por parte de qualquer poder, seja ele qual for. “A democracia não é o império do Legislativo, mas sim o Império da Lei”, resume. Serrano identifica causas culturais históricas ao falar do comportamento de certos parlamentares. “Durante a ditadura, o Judiciário existia apenas como perfumaria e adereço. Não tinha essa postura de controlar os atos dos demais poderes. O Judiciário vem fazendo isso aos poucos e tem melhorado aos poucos. Está fazendo o que deve fazer. Ele estaria substituindo o Legislativo se estivesse produzindo leis, o que não está fazendo. O que está fazendo é procurando coibir atos autoritários e indevidos por parte do Legislativo e protegendo os direitos individuais de quem está sendo acusado e chamado a depor na CPI”.
As críticas de parlamentares da CPI dos Bingos ao Judiciário subiram de tom com a decisão do STF, que suspendeu o depoimento do caseiro Francenildo dos Santos Costa. Nesta segunda-feira (20), o presidente do STF, Nelson Jobim, manteve a decisão do ministro Cezar Peluso, que determinou a suspensão do depoimento, atendendo pedido de liminar apresentado pelo senador Tião Viana (PT-AC). Ainda não foi julgado o mérito da ação, que tenta restringir a atuação da CPI ao fato determinado para a qual foi criada: investigação de jogos de azar e de lavagem de dinheiro.
Que a CPI se tornou um espaço de disputa política, até as pedras já o sabem. Mas, para Pedro Serrano, o problema é mais grave e está afrontando a Constituição brasileira. “Há uma série de fraudes em curso na CPI dos Bingos. Pessoas estão sendo convocadas como testemunhas e tratadas como rés. São acusadas e parlamentares querem obrigá-las a se incriminarem”, protesta, indignado.
O DIREITO DE FICAR CALADO
O episódio do recente depoimento do publicitário Duda Mendonça foi emblemático neste sentido. Chamado a depor na CPI dos Bingos virou vilão nacional (com direito a uma matéria especial no Fantástico, da Rede Globo) por exercer o direito de ficar calado e não produzir provas contra si mesmo. Um advogado que estava assistindo ao depoimento, ao ver o comportamento irado dos parlamentares, comentou: “Esse pessoal parece que nunca viu filmes policiais de Hollywood, quando o policial, quando prende alguém, é obrigado a dizer: você tem o direito de ficar calado, pois tudo o que disser poderá ser usado contra você”.
A violação desse direito, que também é reconhecido no Brasil, causa indignação entre muitos juristas, principalmente quando praticada por uma ex-juíza, como é o caso da deputada Denise Frossard (PPS/RJ), criticada por desconsiderar esse direito em sessões de Comissões Parlamentares de Inquérito. Pedro Serrano é um deles e ele não deixa o tema passar em branco. “Nós temos o dever de proteger os direitos individuais de quem está sendo acusado. Qualquer um de nós está sujeito a ser investigado algum dia. E quem está sendo investigado e acusado tem esse direito. Isso é básico”.
Uma CPI, prossegue Serrano, tem a função constitucional de investigar um ato certo e determinado e não de ficar praticando abusos e devassas. “O Judiciário tem o papel de evitar o abuso de outros poderes que não tem um caráter imperial. A CPI dos Bingos jamais poderia estar investigando o assassinato do prefeito de Santo André. Quando o Judiciário reprime isso, está impedindo que o Legislativo abuse de seus poderes. Agora, a história se repete com a Casa do Lobby (que supostamente seria freqüentada pelo ministro da Fazenda, Antônio Palocci). Se os parlamentares querem investigar isso a fundo que criem uma CPI para tanto. O que estão fazendo é subvertendo a ordem constitucional, exercendo um papel fraudulento”.
Por isso, sustenta o jurista, “a CPI dos Bingos deveria ser suspensa”. “Ela investiga tudo menos a finalidade pela qual foi criada. É uma ofensa e um atraso para a democracia”.
O LEGISLATIVO É ESCRAVO DA CONSTITUIÇÃO
Por essas razões, o constitucionalista considera absolutamente correta as recentes decisões do STF. “Há um abuso dos legisladores que ficam ameaçando o Judiciário, jogando-o contra a opinião pública, com apoio de setores da mídia. O Legislativo deveria entender essas decisões a partir de um ponto de vista pedagógico e não ficar agredindo o Judiciário e deseducar a nação. O PSDB sempre defendeu esse papel do Judiciário e deveria continuar a fazê-lo. O PT agia dessa mesma forma deseducativa quando estava na oposição. Acredito que há uma certa sabedoria popular ao dizer que a classe política é atrasada”.
Serrano chama a atenção para um “detalhe” que faz parte do conceito de Estado de Direito: “o jogo democrático pressupõe regras e um poder que seja responsável por sua aplicação. O Legislativo tem autonomia, mas não tem independência; ele é escravo da Constituição; por isso, não pode desrespeitá-la”.
Concluindo, Pedro Serrano acredita que o atual modo de funcionamento das CPIs tem um caráter profundamente deseducativo para a sociedade brasileira. “Um estado democrático deve agir racionalmente. As decisões devem ser adotadas por procedimentos regrados e isso se aplica também, obviamente, ao Legislativo. Uma CPI minimamente séria deve focar seus trabalhos no fato determinado que a determinou. Se extrapola esse limite, não investiga nada e acaba virando um circo. É isso que o Judiciário está reprimindo: fraude, engano, abuso de poder”.
Para o jurista, o STF é hoje o órgão que mais faz o país avançar em termos de defesa da democracia. “É um órgão composto em sua maioria, por pessoas vindas da carreira jurídica, que tem no estudo da Constituição a sua vida. Está fazendo o que deve fazer”, conclui.
Fonte: Agencia Carta Maior
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