Por Alceu Nader
Para não deixar margem a dúvidas, nem que esteja a mando de terceiros, o advogado Sérgio Bermudes declara-se anti-petista, confessa que nunca votou nem votará em Lula e antecipa que seu candidato à próxima eleição para a Presidência da República é Geraldo Alckmin. Bermudes também é advogado de Daniel Dantas, o dono do banco Opportunity, incluído a fórceps, como indiciado, no relatório da CPMI dos Bingos. Seu primeiro protesto ocorreu há seis dias, quando fez publicar uma declaração "A quem possa interessar" no site nomínimo. Hoje, ele volta ao jornal Valor Econômico com declarações que colidem com o grupo da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) que preparou o início do processo de impeachment do presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, mas ainda espera pela disposição de uma personalidade acima de qualquer suspeita para assiná-lo.
Hoje, Bermudes reaparece em entrevista, no Valor Econômico, desmontando a estratégia do PFL e do PSDB que se alimenta das reportagens publicadas pela revista Veja. A dobradinha PSDB/PFL-Veja reproduz-se pela segunda vez nas últimas semanas. Nesta, por exemplo, inclui no texto original do inquérito assinado pelo procurador-geral da República que Lula é o "sujeito oculto" da "organização criminosa que tinha como objetivo garantir a continuidade do projeto de poder do PT". Hoje, deputados e senadores parceiros da revista aproveitam o lançamento em profundidade para anunciar que o que lhes interessa, agora, é a cabeça de Lula. José Carlos Aleluia, do PFL baiano, sequer disfarça. À Folha de S.Paulo, que concede sua manchete principal à nova investida, repete as mesmas palavras do texto da revista.
Não é a primeira vez que essa engrenagem se movimenta. Na semana passada – e é aí que está o motivo das manifestações de Sérgio Bermudes – Veja incriminou o ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, em mais uma tabelinha com o PSDB/PFL. Há duas semanas, com o título "O ministro é cúmplice", a revista acusa Thomaz Bastos de ter ajudado o ex-ministro da Fazenda, Antonio Palocci, a "encobrir o crime de violação do sigilo do caseiro Francenildo", e afirma:
"Thomaz Bastos foi à residência oficial do ex-ministro da Fazenda com uma missão ainda mais imprópria: descobrir uma maneira de encobrir a participação da cúpula do governo no crime. Essa segunda reunião ocorreu no começo da tarde de 23 de março. Além de Márcio Thomaz Bastos e Palocci, também estavam na casa Jorge Mattoso e o advogado criminalista Arnaldo Malheiros Filho – este último convocado a Brasília pelo próprio ministro da Justiça. No encontro, Palocci e Mattoso não só discutiram o que falariam à Polícia Federal como também a possibilidade de, por 1 milhão de reais, arrumar um funcionário subalterno da Caixa que assumisse a responsabilidade pela lambança. Se conseguissem, tanto Palocci quanto Mattoso manteriam seus cargos".
Palocci caiu, Mattoso caiu, e a acusação da revista conseguiu fazer com que o ministro da Justiça fosse convocado para depor esta semana no Congresso. Já a denúncia de oferta de dinheiro para atribuir o crime a outra pessoa, sumiu. A entrada de Sérgio Bermudes em cena talvez atrapalhe os planos da parceria da revista com os nobres deputados do PFL e do PSDB que hoje estão nos jornais.
Bermudes, "um dos mais conceituados civilistas do País", segundo define o Valor, desarma a jogada construída na acusação a priori – e sem prova – de que o ministro tenha extrapolado de suas funções e colaborado com o crime da quebra de sigilo do caseiro. Trata-se de um adversário de peso, cuja lista de clientes envolve não só Daniel Dantas ou Edemar Cid Ferreira (ex-Banco Santos), mas também a família de Manuel Fiel Filho (metalúrgico assassinado no DOI-Codi, em 1976) em seu processo contra a União.
"Em um ano eleitoral, a oposição está fazendo campanha acirrada, e essa campanha passa por injustiças. Uma delas é querer comprometer o ministro da Justiça, quando tudo o que ele fez foi se inteirar dos fatos", diz ele ao jornal. " "Embora conheça Thomaz Bastos há 30 anos, não é amigo íntimo. Ele não conhece minha casa e eu só estive na dele uma vez".
Sobre a conduta do ministro no episódio relatado como cumplicidade do responsável pela pasta da Justiça em vários crimes, ele diz:
"Impecável. É um homem sério, sempre foi um homem sério. O que ele fez foi, antes de tomar qualquer atitude, analisar o quadro com toda meticulosidade. O que me deixa bastante chocado é o fato de as pessoas pretenderem que o ministro da Justiça faça as coisas com base no ´oba oba´. Primeiro: ele tinha que se inteirar do quadro. Segundo: ele é um auxiliar do presidente da República. O artigo 76 da Constituição Federal diz claramente isso: o chefe do Executivo é o presidente da República, auxiliado pelos ministros de Estado. Então, ele devia contas em primeiríssimo lugar ao presidente. Agora, para prestar contas ele tinha que examinar. a questão por todos os lados, inclusive conversando com o ministro Palocci."
A entrevista, feita pelo repórter Caio Junqueira, cuja leitura se recomenda na íntegra, ainda traz as seguintes perguntas e respostas esclarecedoras:
Valor: A oposição vê nisso um conflito de interesses, já que o ministro é também chefe da Polícia Federal, que investiga Palocci.
Bermudes: Quem diz isso não sabe o que é conflito e nem o que é interesse. O ministro não estava fazendo nenhum julgamento. Não é um ministro que tinha competência para demitir o ministro da Fazenda, então não há nenhum conflito. Alguns congressistas levianamente queriam o quê? Que os fatos fossem apurados por quem? Pelo ministro da Saúde? Ou pelo Ministério do Turismo? Da Agricultura? O que ele fez foi se inteirar do quadro. Houve a quebra do sigilo. De que maneira? E tinha que dar ao ministro Palocci urna oportunidade de falar. E foi isso que ele fez. Não há conflito de interesse porque não existe conflito de interesse quando se está buscando uma informação sobre determinado fato. Um fato qualquer. A PF pode investigar, assim como o ministro da Justiça, ouvindo pessoas relacionadas ao fato.
Valor: Por que o senhor acha que ele virou o alvo da oposição?
Bermudes: É bom perguntar à oposição. A oposição tradicionalmente faz campanha contra o governo. A oposição é cruel. A UDN, por exemplo, fez seriíssimas acusações ao então presidente Juscelino Kubitschek, inclusive de desonesto. E Juscelino podia ser de tudo, menos desonesto. (...) Meu refrão é o seguinte: o ministro é auxiliar do presidente. Ele não estava se informando para transmitir esse fato à imprensa nem ao Congresso. Estava se informando para, em primeiríssimo lugar, transmitir uma visão dos fatos a quem ele presta contas, que é o presidente da República.
Valor: O senhor acha que a oposição cometeu alguma outra injustiça nessa crise?
Bermudes: O que estou dizendo é que a oposição é muitas vezes açodada e injusta, corno ocorre na maioria dos julgamentos precipitados. Vamos tomar um caso cível: o locador diz que o locatário está prejudicando o imóvel. Por que o juiz tem que ouvir primeiro o locatário para compreender os fatos para depois sentenciar? Porque é necessário investigar e informar-se.
Valor: O senhor acha que a cabeça dele é o prêmio que a oposição quer?
Bermudes: Que cabeça dele coisa nenhuma. Só se o presidente da República for um leviano. Não tem nada de cabeça. Se o presidente da República for demitir qualquer ministro contra quem a oposição levante algum restrição ele deixa de ser o chefe do Executivo e quem passa a ser chefe do Executivo é a oposição.
Valor: Em artigo publicado no site "no mínimo´: o senhor compara as denúncias contra Thomaz Bastos à denúncia do advogado de Luís XVI, de que o tribunal instituído para julgá-lo, na verdade ,fora montado para condená-lo.
Bermudes: Eu citei esse exemplo para mostrar que não se pode quando você vai julgar alguém primeiro você tem que conhecer os fatos. O advogado de Luís XVI começou a defesa dizendo: "Nós não estamos aqui para julgar o rei, mas este tribunal foi constituído com o propósito de condenar o rei". Então o que a oposição está fazendo é partir do pressuposto que o ministro se comportou erradamente, antes de verificar por que que o ministro fez as indagações que fez. Ele tinha que fazer as indagações que fez ou esperava que o presidente da República saísse em campo indagando e conversando? Pergunta-se: mas por que ele se reuniu? Reuniu-se para se inteirar dos fatos.
Valor: O presidente da OAB, Roberto Busato, disse que o suposto envolvimento de Thomaz Bastos em todo o episódio traz certo constrangimento à instituição. Como o senhor vê isso?
Bermudes: Se ele disse isso eu lamento muito.
Recomenda-se a leitura na íntegra.
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