
Hoje, Bermudes reaparece em entrevista, no Valor Econômico, desmontando a estratégia do PFL e do PSDB que se alimenta das reportagens publicadas pela revista Veja. A dobradinha PSDB/PFL-Veja reproduz-se pela segunda vez nas últimas semanas. Nesta, por exemplo, inclui no texto original do inquérito assinado pelo procurador-geral da República que Lula é o "sujeito oculto" da "organização criminosa que tinha como objetivo garantir a continuidade do projeto de poder do PT". Hoje, deputados e senadores parceiros da revista aproveitam o lançamento em profundidade para anunciar que o que lhes interessa, agora, é a cabeça de Lula. José Carlos Aleluia, do PFL baiano, sequer disfarça. À Folha de S.Paulo, que concede sua manchete principal à nova investida, repete as mesmas palavras do texto da revista.
Não é a primeira vez que essa engrenagem se movimenta. Na semana passada – e é aí que está o motivo das manifestações de Sérgio Bermudes – Veja incriminou o ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, em mais uma tabelinha com o PSDB/PFL. Há duas semanas, com o título "O ministro é cúmplice", a revista acusa Thomaz Bastos de ter ajudado o ex-ministro da Fazenda, Antonio Palocci, a "encobrir o crime de violação do sigilo do caseiro Francenildo", e afirma:
"Thomaz Bastos foi à residência oficial do ex-ministro da Fazenda com uma missão ainda mais imprópria: descobrir uma maneira de encobrir a participação da cúpula do governo no crime. Essa segunda reunião ocorreu no começo da tarde de 23 de março. Além de Márcio Thomaz Bastos e Palocci, também estavam na casa Jorge Mattoso e o advogado criminalista Arnaldo Malheiros Filho – este último convocado a Brasília pelo próprio ministro da Justiça. No encontro, Palocci e Mattoso não só discutiram o que falariam à Polícia Federal como também a possibilidade de, por 1 milhão de reais, arrumar um funcionário subalterno da Caixa que assumisse a responsabilidade pela lambança. Se conseguissem, tanto Palocci quanto Mattoso manteriam seus cargos".
Palocci caiu, Mattoso caiu, e a acusação da revista conseguiu fazer com que o ministro da Justiça fosse convocado para depor esta semana no Congresso. Já a denúncia de oferta de dinheiro para atribuir o crime a outra pessoa, sumiu. A entrada de Sérgio Bermudes em cena talvez atrapalhe os planos da parceria da revista com os nobres deputados do PFL e do PSDB que hoje estão nos jornais.
Bermudes, "um dos mais conceituados civilistas do País", segundo define o Valor, desarma a jogada construída na acusação a priori – e sem prova – de que o ministro tenha extrapolado de suas funções e colaborado com o crime da quebra de sigilo do caseiro. Trata-se de um adversário de peso, cuja lista de clientes envolve não só Daniel Dantas ou Edemar Cid Ferreira (ex-Banco Santos), mas também a família de Manuel Fiel Filho (metalúrgico assassinado no DOI-Codi, em 1976) em seu processo contra a União.
"Em um ano eleitoral, a oposição está fazendo campanha acirrada, e essa campanha passa por injustiças. Uma delas é querer comprometer o ministro da Justiça, quando tudo o que ele fez foi se inteirar dos fatos", diz ele ao jornal. " "Embora conheça Thomaz Bastos há 30 anos, não é amigo íntimo. Ele não conhece minha casa e eu só estive na dele uma vez".
Sobre a conduta do ministro no episódio relatado como cumplicidade do responsável pela pasta da Justiça em vários crimes, ele diz:
"Impecável. É um homem sério, sempre foi um homem sério. O que ele fez foi, antes de tomar qualquer atitude, analisar o quadro com toda meticulosidade. O que me deixa bastante chocado é o fato de as pessoas pretenderem que o ministro da Justiça faça as coisas com base no ´oba oba´. Primeiro: ele tinha que se inteirar do quadro. Segundo: ele é um auxiliar do presidente da República. O artigo 76 da Constituição Federal diz claramente isso: o chefe do Executivo é o presidente da República, auxiliado pelos ministros de Estado. Então, ele devia contas em primeiríssimo lugar ao presidente. Agora, para prestar contas ele tinha que examinar. a questão por todos os lados, inclusive conversando com o ministro Palocci."
A entrevista, feita pelo repórter Caio Junqueira, cuja leitura se recomenda na íntegra, ainda traz as seguintes perguntas e respostas esclarecedoras:
Valor: A oposição vê nisso um conflito de interesses, já que o ministro é também chefe da Polícia Federal, que investiga Palocci.
Bermudes: Quem diz isso não sabe o que é conflito e nem o que é interesse. O ministro não estava fazendo nenhum julgamento. Não é um ministro que tinha competência para demitir o ministro da Fazenda, então não há nenhum conflito. Alguns congressistas levianamente queriam o quê? Que os fatos fossem apurados por quem? Pelo ministro da Saúde? Ou pelo Ministério do Turismo? Da Agricultura? O que ele fez foi se inteirar do quadro. Houve a quebra do sigilo. De que maneira? E tinha que dar ao ministro Palocci urna oportunidade de falar. E foi isso que ele fez. Não há conflito de interesse porque não existe conflito de interesse quando se está buscando uma informação sobre determinado fato. Um fato qualquer. A PF pode investigar, assim como o ministro da Justiça, ouvindo pessoas relacionadas ao fato.
Valor: Por que o senhor acha que ele virou o alvo da oposição?
Bermudes: É bom perguntar à oposição. A oposição tradicionalmente faz campanha contra o governo. A oposição é cruel. A UDN, por exemplo, fez seriíssimas acusações ao então presidente Juscelino Kubitschek, inclusive de desonesto. E Juscelino podia ser de tudo, menos desonesto. (...) Meu refrão é o seguinte: o ministro é auxiliar do presidente. Ele não estava se informando para transmitir esse fato à imprensa nem ao Congresso. Estava se informando para, em primeiríssimo lugar, transmitir uma visão dos fatos a quem ele presta contas, que é o presidente da República.
Valor: O senhor acha que a oposição cometeu alguma outra injustiça nessa crise?
Bermudes: O que estou dizendo é que a oposição é muitas vezes açodada e injusta, corno ocorre na maioria dos julgamentos precipitados. Vamos tomar um caso cível: o locador diz que o locatário está prejudicando o imóvel. Por que o juiz tem que ouvir primeiro o locatário para compreender os fatos para depois sentenciar? Porque é necessário investigar e informar-se.
Valor: O senhor acha que a cabeça dele é o prêmio que a oposição quer?
Bermudes: Que cabeça dele coisa nenhuma. Só se o presidente da República for um leviano. Não tem nada de cabeça. Se o presidente da República for demitir qualquer ministro contra quem a oposição levante algum restrição ele deixa de ser o chefe do Executivo e quem passa a ser chefe do Executivo é a oposição.
Valor: Em artigo publicado no site "no mínimo´: o senhor compara as denúncias contra Thomaz Bastos à denúncia do advogado de Luís XVI, de que o tribunal instituído para julgá-lo, na verdade ,fora montado para condená-lo.
Bermudes: Eu citei esse exemplo para mostrar que não se pode quando você vai julgar alguém primeiro você tem que conhecer os fatos. O advogado de Luís XVI começou a defesa dizendo: "Nós não estamos aqui para julgar o rei, mas este tribunal foi constituído com o propósito de condenar o rei". Então o que a oposição está fazendo é partir do pressuposto que o ministro se comportou erradamente, antes de verificar por que que o ministro fez as indagações que fez. Ele tinha que fazer as indagações que fez ou esperava que o presidente da República saísse em campo indagando e conversando? Pergunta-se: mas por que ele se reuniu? Reuniu-se para se inteirar dos fatos.
Valor: O presidente da OAB, Roberto Busato, disse que o suposto envolvimento de Thomaz Bastos em todo o episódio traz certo constrangimento à instituição. Como o senhor vê isso?
Bermudes: Se ele disse isso eu lamento muito.
Recomenda-se a leitura na íntegra.
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