Segue um artigo interessante, da Helena Chagas, onde ela compara de forma muito clara as campanhas antecipadas para a reeleição de Lula hoje e a de FHC, em 1998.
“Acho que é preciso que as pessoas tenham bom senso. É preciso não confundir o que é o exercício do governo com o uso de máquina. Até porque não sou candidato ainda a nada. Sou presidente da República. Só depois que a pessoa é candidata a alguma coisa é que você pode ter a restrição que se deve ter ao uso da máquina.” Temos ouvido muitas afirmações do tipo nos últimos dias.
Só que esta é de Fernando Henrique Cardoso, em 6 de março de 1998, registrada no GLOBO do dia seguinte. Naquele dia, o presidente reagia com indignação à decisão do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) de acolher representação do PT e abrir contra ele processo sob acusação de uso eleitoral da máquina e abuso de poder político e econômico. Acusavam-no de usar o cargo para fazer campanha antecipada.
O processo não deu em nada. Tratava-se apenas de um aviso da Justiça Eleitoral aos navegantes da primeira campanha de reeleição no país. Tecnicamente, o então presidente Fernando Henrique, que dez meses depois tomava posse para um segundo mandato, não era candidato e não podia, portanto, ser punido por fazer campanha eleitoral irregularmente.
Fernando Henrique aproveitou a brecha até 4 de julho, quando a Lei Eleitoral passou a proibir a presença de candidatos em inaugurações. Nas duas primeiras semanas de fevereiro de 1998, por exemplo, esteve em 13 eventos em cinco estados do Nordeste, como registra o GLOBO: Sergipe, Maranhão, Ceará, Alagoas e Pernambuco.
Em 13 de fevereiro, na quarta viagem à região em uma semana, estava em Pernambuco. Inaugurou uma barragem ao lado dos três principais candidatos ao governo do estado: Miguel Arraes, Carlos Wilson e Jarbas Vasconcelos. Aproveitou para assinar protocolo de retomada das obras paralisadas da Transnordestina (sempre ela). E ainda teve fôlego para ir a Palmares, Zona da Mata, comemorar o aniversário do lançamento do programa de erradicação do trabalho infantil. Foi recebido com fogos, tapete vermelho e um coro de 3.180 crianças retiradas dos canaviais. E prometeu: “Tiramos 30 mil crianças dos canaviais em 1997 e neste ano queremos tirar mais 30 mil. Essa é mão amiga, a mão do governo disposta a ajudar os que se dispõem a trabalhar conosco”.
Campanha? Das mais escancaradas. Mas era também governo. Como diziam os petistas — que chegaram a pôr “arapongas” para vigiar os passos de Fernando Henrique e encheram o TSE de representações que deram em nada — para se separar o presidente da República do candidato à reeleição, só clonando.
Desde que foi implantado no Brasil o instituto da reeleição, todo presidente, governador e prefeito virou candidato, muitas vezes desde o primeiro dia do mandato. Não há como tirar a idéia da cabeça do sujeito, e mesmo aqueles que sempre esbravejaram contra a reeleição passam a sonhar com ela. Mordidos pela mosca azul ou abatidos por um estranho efeito psicológico que leva o indivíduo a se considerar um fracassado se não usar a faculdade que lhe permite a lei.
E a lei não os contempla apenas com a possibilidade de pleitear um segundo mandato. Ela deixa quase tudo. E, uma vez autorizado o governante a concorrer sem se afastar um só dia do cargo, qualquer tentativa de limitar a influência do uso da máquina ou das prerrogativas do poder é brincadeira.
Bem que a Justiça Eleitoral pensou em impor limites na regulamentação baixada em 1998, que deve valer também para a reeleição de Lula. Trata-se, porém, de uma tênue, quase inútil, tentativa de tapar o sol com a peneira. Por exemplo: é proibido o uso de logomarcas nas placas de obras em execução ou recém-inauguradas e o candidato à reeleição não pode participar das inaugurações. Nada impede, porém, que vá ao local antes ou depois do dia da inauguração e faça sua festinha...
Enfim, tudo conspira a favor de um candidato à reeleição no exercício da função. Só uma mudança na lei — que não precisa ser o fim do instituto ainda não devidamente testado da reeleição — pode reduzir o abismo da desigualdade de condições entre quem disputa eleição com cargo e quem disputa sem cargo. A desincompatibilização, por exemplo, pode não resolver. Mas ajuda.
Nenhuma mudança, porém, pode valer para 2006. Vamos ver o mesmo filme. Lula, que só não é candidato para quem não quer ver, já está em campanha escancarada — exatamente como fez seu antecessor. E não há nada, nadinha, a impedi-lo. Petistas que chiavam agora aplaudem; tucanos que riam, reclamam. Lamentavelmente, também no plano institucional é tudo questão de referencial.
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