segunda-feira, fevereiro 06, 2006

Roberto Jefferson fala à CartaCapital sobre Lista de Furnas

A seguir a entrevista completa de Roberto Jefferson a Carta Capital:


AS DONZELAS FURADAS

O ex-deputado Roberto Jefferson afirma que, em 2002, Dimas Toledo era o homem dos tucanos em Furnas

Por Maurício Dias


Com o mandato cassado, após ter denunciado o esquema de caixa 2 usado pelo Partido dos Trabalhadores nas eleições de 2002 e 2004, o ex-deputado Roberto Jefferson virou um fantasma que assombra permanentemente a ópera. Depois de um tempo sumido do noticiário, dedicado à advocacia e à música, ele reapareceu em grande estilo na quarta-feira 1º de fevereiro. Ao depor no inquérito da Polícia Federal que apura as denúncias iniciais que atingiram em cheio o PT, ele abalou os nervos do PSDB principalmente e, também, do PFL e do PMDB, além de partidos menores que davam sustentação ao governo Fernando Henrique Cardoso. Lateralmente às informações sobre o dinheiro escoado pelo Valerioduto para petistas e aliados fez uma revelação inesperada: confirmou ter recebido R$ 75 mil, ao vivo, das mãos de Dimas Toledo, ex-diretor de engenharia de Furnas, para a campanha eleitoral de 2002.
Jefferson tirou da clandestinidade e, em parte, deu autenticidade a uma lista que aterrissou nas redações há uns dois meses e, há uns 15 dias, navega livremente na internet. Nela, entre 156 nomes beneficiados por um suposto caixa 2 de Furnas, os tucanos encabeçam a lista com milhões de reais para a campanha, devidamente sonegados à Justiça Eleitoral.
Na sala que ocupa provisoriamente no escritório de advocacia que mantém no centro do Rio de Janeiro (a principal está em obras ganhando uma acústica especial para os meneios vocais do dedicado tenor amador) Jefferson reafirmou a CartaCapital o que disse na Polícia Federal. E avançou nas considerações sobre a veracidade da lista. A seu modo. Confirmou fingindo, fingindo que não confirmava. Sempre sorrindo, consciente que aterrorizava a “hipocrisia dos tucanos”, que identifica como “donzelas furadas”. “É o nome de uma rosquinha de polvilho, com um furo no meio, que vendem nas feiras do Nordeste”, conta com expressão irônica no rosto.
Depois de repetir que os R$ 75 mil que recebeu são o exato valor que consta da lista, ele refuga e não confirma se a lista é verdadeira. Mas garante que ela é crível, lógica, e tem bastante semelhança com a verdade. E vai além: “Em 2002, Dimas Toledo era o homem do PSDB em Furnas”.

CartaCapital: Por que o senhor foi depor na Polícia Federal?
Roberto Jefferson: Fui lá falar do mensalão. O inquérito está correndo. Mas o delegado me mostrou a lista. Eu não conhecia.

CC: Perguntou se era verdadeira?
RJ: Eu disse que sobre os outros eu não poderia falar. No que tocava a meu respeito eu confirmei que recebi do doutor Dimas os R$ 75 mil que estão lançados na lista. Ele me perguntou se não era estranho não ter nenhum nome do PT. Eu disse que não era estranho. Em 2002, o doutor Dimas era o homem apenas do PSDB. Estava lá colocado e mantido por políticos do PSDB. Por isso, os nomes da lista são de pessoas de partidos que compunham a aliança de governo com o presidente Fernando Henrique. Tem políticos aí do PSDB, do PFL, do PTB, do PP, do PL. São os políticos da base do governo Fernando Henrique. Nessa época, o PT não tinha nenhuma ingerência nessa diretoria de Furnas.

CC: Volto a uma pergunta que o senhor já respondeu: a quem a lista interessa?
RJ: Eu disse para o delegado que era advogado criminal. Expliquei que, se fosse advogado do doutor Dimas, que teve a casa invadida
CC: Por quê?
RJ: Uma lista com 156 próceres da República recebendo recursos do caixa 2 na mão da polícia é a plena garantia de que o inquérito vai ser arquivado. Essa é a mais absoluta certeza do arquivamento do inquérito. Publique a lista e arquive o inquérito. Disse para ele que, para mim, estava claro que era interesse da defesa. O maior interessado nisso é a defesa do doutor Dimas. Ele me perguntou se eu achava que as pessoas tinham recebido o dinheiro. Respondi que não podia achar. Não posso cometer a leviandade de acusar as pessoas. Eu posso falar por mim.

CC: E como foi que a coisa se passou com o senhor?
RJ: O doutor Dimas esteve comigo na minha eleição, em 2002, e doou à minha campanha R$ 75 mil não contabilizados, caixa 2.

CC: Como era a mecânica de funcionamento do caixa 2 de Furnas. Como o senhor soube do doutor Dimas e como ele o procurou?
RJ: Foi através de um amigo comum. Não quero dar o nome. Vendo a minha dificuldade, me procurou e disse que ia me apresentar ao Dimas Toledo. Perguntou se eu receberia o dinheiro e eu disse que sim.

CC: Não foi em virtude de um acordo partidário?
RJ: Não, não. Foi pessoal. O doutor Dimas é um homem de tamanho prestígio, de tamanha força, que metade das pessoas incluídas na lista me ligou quando o presidente Lula pediu um nome para substituí-lo em Furnas.
CC: O senhor já tinha falado desse caixa 2 em Furnas, não?
RJ: Sim, numa entrevista para a Folha de S.Paulo. Falei de um encontro com o Zé Dirceu. Ele me explicou como funcionava e pediu para que o Dimas permanecesse fazendo o caixa do PT e do PTB. Mas o presidente Lula não queria a permanência do Dimas, que ele considerava extremamente tucano. Mas o Dirceu queria que ele permanecesse. Nessa época, o Dimas já transferia dinheiro para o PT. Entregava dinheiro ao Delúbio.

CC: O que aconteceu?
RJ: Lula reagiu. “Por que recuou”, perguntou o presidente. ‘Muita pressão’, respondi. “E você não sabe resistir à pressão”, insistiu Lula. Eu disse, ‘então está fechado. Vamos trocar’. O Dirceu protestou e disse que se eu tivesse insistido o Dimas ficaria.

CC: E por que não insistiu?
RJ: Eu disse que era ruim manter o cara. Aí foi a origem de todo o meu problema com o Dirceu. Por ter tentado remover o doutor Dimas dessa posição poderosíssima de apoio aos partidos políticos. Ele era tão poderoso que governadores me ligaram para que eu não o tirasse, que não insistisse na troca.
CC: É possível resolver eticamente a relação dinheiro e voto no processo eleitoral?
RJ: Claro que sim. A democracia se financia com dinheiro. O crime não é financiar com dinheiro a democracia. E, sim, gente usar a democracia para enriquecer depois.

CC: O crime é somente usar o dinheiro em causa própria?
RJ: Claro. Sem dinheiro não há democracia. Veja a democracia americana. Por mais crítica que se faça é a maior democracia do mundo. Quem doa o maior cheque para a campanha presidencial senta ao lado do candidato para a fotografia. Não há desdouro. É uma mentira dizer que quem doa tem interesse subalterno.

CC: Ou seja, os interesses não são necessariamente subalternos.
RJ: É isso. Aqui no Brasil há uma história esquisita de que os políticos só podem cuidar do velho, do deficiente físico. É isso também. Mas não é só isso.

CC: Mas não foram os políticos que inventaram isso?
RJ: Não foi, também, a mídia?

CC: É possível. Mas ela não estaria refletindo o que ouve e vê?
RJ: Essa hipocrisia, esse falso moralismo não teria sido criado pela imprensa? Só se faz o social se brigar pelo econômico. É claro que o deputado tem de brigar pelo interesse das empresas do estado dele. Não se reparte miséria.
CC: O senhor chegou a medir qual a relação entre o dinheiro oficial e o “por fora” nas campanhas?
RJ: Quando fui depor na CPI dos Correios, levei a prestação de contas tanto dos senadores quanto dos deputados. A média dos deputados federais estava entre R$ 150 mil e R$ 200 mil. Isso é o que eles declararam à Justiça Eleitoral. O de senador apresentava um gasto médio em torno de R$ 300 mil. No mínimo, o custo é dez vezes mais. Uma campanha de deputado federal não custa menos de R$ 1,5 milhão. Uma boa campanha pode custar até R$ 3 milhões. Um candidato a senador, com uma boa campanha, vai gastar R$ 5 milhões ou R$ 6 milhões.

CC: Ou seja, para cada real declarado...
RJ: Outros dez entram pelo caixa 2. O empresário dá 10 “por dentro” e 90 “por fora”.

CC: O senhor acredita que, por efeito de suas denúncias, a campanha em 2006 será isenta de caixa 2?
RJ: Não. Ela vai ser muito mais cuidadosa. O caixa 2 vai continuar existindo na próxima eleição. Em menor intensidade. Os candidatos vão ter um cuidado muito maior. A Justiça Eleitoral vai estar muito mais atenta. O candidato que exibir outdoors, meia página de anúncio nos jornais, showmícios e muita camiseta e muito boné, o povo vai olhar para ele e dizer “êpa, espera aí”. A própria Justiça vai chamar o candidato e cobrar: o senhor tem declarado o que já gastou? De onde o dinheiro veio?

CC: Até quando vai durar isso?
RJ: É irreversível. Está muito consciente na cabeça da população.

CC: Com essa mesma legislação em vigor?
RJ: Essa legislação vai ser modificada. O povo vai estar muito mais atento a todos. Para mim, a grande vitória desse processo todo que nós vivemos foi desmistificar todos os políticos e todos os partidos. O povo, hoje, sabe que todos os políticos têm defeitos e todos têm virtudes. Tem ladrão de esquerda e tem ladrão de direita. Tem gente boa de esquerda e gente boa de direita. O PT deixou isso claro na cabeça das pessoas. O partido rasgou a bandeira da ética
CC: Todo mundo teria ficado igual?
RJ: É isso. E o povo descobriu que se não ficar atento e não tomar conta qualquer um mete a mão no bolso. Vivemos toda essa crise e ninguém disse que tinha de fechar o Congresso, que tem de tirar o Lula e botar um general no poder. As pessoas foram expostas e a sociedade discutiu abertamente o Marcos Valério, Dirceu etc. Tudo discutido sem nenhum arranhão ao regime democrático.

CC: O PT está exposto. Mas agora surgiu o listão de Furnas que o senhor insinua ser verdadeiro. Diz que tem uma lógica. Não se fazia caixa 2 em Furnas?
RJ: Essa posição de Furnas só não era maior do que a posição da Petrobras. É uma das mais poderosas posições políticas do Brasil. É disputada em luta de carnificina pelos partidos. Exatamente em razão do financiamento eleitoral.

CC: Em 2002, era uma grande financiadora eleitoral do esquema tucano?
RJ: Eu não tenho dúvida. Conversei isso abertamente. Mensalmente, em 2002, ela rendia R$ 4 milhões para partidos políticos. Só de manutenção. Fora a celebração de novos contratos em volumes vultosíssimos. O trato que eu fiz com o Zé Dirceu era de R$ 2 milhões para o PTB e R$ 2 milhões para o PT.

CC: Até então o PTB estava fora?
RJ: Sim. E quando tentou entrar sofreu esse revés. Eu quero deixar claro que o recurso não sai do caixa da empresa. Isso é da relação com as empresas que fornecem serviços à empresa. É assim em todas as estatais. Por isso os partidos se digladiam pelas nomeações. Sempre foi assim.
CC: O senhor acha possível que haja uma investigação sobre a lista?
RJ: Eu não sabia dessa lista. Fui saber na Polícia Federal. Não fiz denúncia. Me perguntaram, respondi. Eu acho difícil aprofundar a investigação. Se o doutor Dimas não disser que fez a lista mesmo...

CC: Mas na medida em que o senhor admite que recebeu dinheiro...
RJ: Sim. Eu recebi...

CC: Pois é. A mesma quantia que está na lista.
RJ: Igualzinha. Eu cansei da hipocrisia. Eu cansei da mentirinha. De fazer o erro e apontar o erro do outro para encobrir o próprio erro. Eu não posso dizer que a lista é verdadeira. Mas politicamente ela é crível? Eu acho que é. Politicamente bem ordenada. Há um inquérito da Polícia Federal sobre Furnas. Qual a melhor defesa?

CC: Um conflito generalizado para ninguém ser responsabilizado.
RJ: É isso. Está morto o assunto. Quem vai avançar nisso?

CC: Quando disse que metade da lista ligou para manter o doutor Dimas, o senhor dá mais uma evidência no sentido da veracidade dela.
RJ: É uma coincidência grande (rindo). Uma grande coincidência... hahaha. Quando eu vi a lista, comecei a rir. O delegado achou que eu estava maluco. Quis saber a razão. Eu disse não é nada não. Eu ia lendo os nomes e rindo. Esse nome... hahaha. Foi a turma que me pediu pela manutenção do Dimas.
CC: Quando o senhor fala, com naturalidade, do fato do dinheiro do caixa 2 ter destinação política não considera que a fábrica da caixa clandestina pode gerar um processo de corrupção?
RJ: O que é escuso é a fraude ao Fisco. Se a legislação fosse clara e não hipócrita permitindo a livre contribuição das empresas para os partidos não teria problema. No governo tucano as empresas mais importantes que estavam em turno tiveram a maioria dos contratos. Mas no governo petista as empresas que estavam de fora tiveram o direito de chegar. Isso é da democracia. Isso tinha de ser claro...

CC: Ao confirmar que tinha recebido mesmo os R$ 75 mil do listão de Furnas, o senhor deu um grau de veracidade ao documento que ele não tinha. Deixou de ser mentira para, pelo menos, ser provável. Qual a sua finalidade ao fazer isso?
RJ: Não vou mentir mais. Eu podia ter mentido. Não quero mais hipocrisia. Cansei de fazer parte da vida política do País. E não vou proteger aqueles que mentem.

CC: Por que, então, insinuar e não afirmar?
RJ: Eu não tenho como acusar as pessoas que aí estão. Há lógica na lista? Há. Ela é crível? Claro que é crível. Ela se assemelha à verdade? Claro que se assemelha...

CC: Ela é verdadeira?
RJ: Isso eu não posso dizer. O doutor Dimas Toledo pode esclarecer isso bem.

CC: E se o doutor Dimas disser que o senhor foi o único a receber dinheiro por fora?
RJ: Eu vou ter de dizer: vai ter prestígio assim lá no inferno... (gargalhando) Hahaha

"Não vou mentir mais.
Não quero mais hipocrisia. Os tucanos são muito hipócritas. São as donzelas furadas."

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